domingo, 26 de setembro de 2010

A arqueologia e a Conquista de Canaã




Durante muito tempo acreditou-se que as narrativas da “Conquistas de Canaã” por Israel eram relatos verídicos. Atualmente, essa visão tem caído por terra. Muitos esquecem que “papel aceita tudo” e que por isso qualquer texto, seja bíblico ou não, precisa ser comprovado externa e internamente para que possa ser usado em um inventário histórico.

De acordo com Finkelstein e Siberman, “A evidência de uma histórica conquista de Canaã pelos israelitas é fraca” .

Mais do que fracos, os relatos da Conquista de Canaã são por demais contraditórios para serem capazes de fornecer um quadro histórico da região abordada naquele período.

A Bíblia nos fala sobre os planos de batalha de Josué, que englobariam as seguintes cidades e regiões:
1 – Jericó
2 – Ai
3 – Exercito de coalizão Jerusalém-Hebrom.
4 – Região Sul
5 – Região Norte (Hazor)

No entanto, as descobertas arqueológicas não apenas se calam diante desses supostos acontecimentos narrativos. As evidências arqueológicas chegam até mesmo a contradizer os relatos bíblicos da Conquista, como veremos a seguir.

Do trabalho de Finkelstein e Siberman sobre a Conquista, selecionei alguns pontos que considerei relevante para a demonstração de que a arqueologia desmente certos relatos bíblicos, que são:


1) Israelitas maltrapilhos de um lado; exércitos canaanitas profissionais armados de outro...


Uma das grandes dificuldades apontadas por Finkelstein e Siberman é que dificilmente andarilhos maltrapilhos seriam capazes de enfrentar as fortalezas egípcias militarmente treinadas e armados existentes em Canaã na época:


“Como um exército em andrajos, viajando com mulheres, crianças e idosos, emergindo do deserto depois de décadas, poderia montar uma invasão efetiva? Como tal multidão desorganizada poderia vencer as grandes fortalezas de Canaã, com seus exércitos profissionais e suas bem treinadas unidades de bigas?”
Pessoas sem treinamento militar, sem conhecimentos de estratégia de guerra e combate, etc. dificilmente seriam capazes de enfrentar (e muito menos vencer!) o poderio militar egípcio.

2) O silêncio das fontes históricas

De acordo com Finkelstein:

“Existe indicação abundante de textos egípcios da Idade do Bronze posterior (1550 – 1150 a.C.) sobre os assuntos de Canaã, na forma de cartas diplomáticas, listas de cidades conquistadas, cenas de cercos gravados nas paredes dos templos no Egito, anais dos reis egípcios, obras literárias e hinos”.

No entanto, não existe nenhuma evidência, nem arqueológica e nem escrita, da suposta Conquista de Canaã. Vale lembrar que a Conquista de Canaã, sendo um acontecimento de enorme magnitude para o Oriente da época, equivaleria ao aparecimento do King Kong em Nova Iorque, de modo que se esses dois grandes eventos tivessem realmente acontecido, de forma nenhuma deixariam de ser registrados.

É como se os jornalistas passassem de frente ao Empire State, mas não vissem o Kong ou simplesmente o ignorassem deliberadamente. No caso da suposta Conquista de Canaã não existiria nenhuma razão para os comentaristas da época se calarem sobre esse grande evento, lembrando que possuímos vários documentos e inscrições que relatam acontecimentos dessa época. Esses documentos da época apontam comunicações entre egípcios e canaanitas como se nada tivesse acontecendo. Uma coisa é não termos documentos, outra, é termos de sobra e mesmo assim os mesmos se omitirem sobre determinado fato.

É por iss que Finkelstein afirma que:

“É inconcebível que a destruição pelos invasores de tantas cidades vassalas, leais, não tivesse deixado nenhum traço nos vastos registros do império egípcio. A única menção independente ao nome de Israel nesse período – a estela da vitória de Meneptah – anuncia apenas que, ao contrário, esse povo obscuro vivendo em Canaã sofrera derrota esmagadora. Nitidamente, alguma coisa não combina quando o relato bíblico, a evidência Arqueológica e os registros egípcios são colocados lado a lado”.

Finkelstein frisa que, quando os “Povos do Mar” começaram a invadir a Ásia, encontrou-se diversas alusões literárias e evidencias arqueológicas. Os próprios egípcios fizeram alusões literárias a esse conjunto de invasões realizadas por esses “Povos do Mar”, o que se caracterizou como um grande acontecimento – que jamais deixaria de ser percebido e comentado. No entanto, um acontecimento da mesma proporção e da mesma época – a invasão israelita e sua conquista das terras de Canaã – não foi nem sequer aludido de passagem.

Sendo que nenhum documento ou indicio arqueológico menciona a Conquista na época apontada pela Bíblia como a da Conquista, e sendo que tal conquista se caracterizaria como um grande acontecimento para o Antigo Oriente Médio de modo que jamais poderia deixar de ser mencionada caso houvesse acontecido, o veredicto é um só: A Conquista de Canaã jamais aconteceu.

3) Canaã sob o domínio egípcio

A Bíblia, por um lado, e os documentos da época da Conquista, juntamente com as descobertas arqueológicas, por outro lado, se contradizem de modo marcante no que se refere ao domínio e influência egípcia em Canaã.

Por um lado, temos a arqueologia e os documentos:

“[...] as cartas Amarna revelam que Canaã era uma província egípcia, firmemente controlada por administração egípcia. A capital provincial situava-se em Gaza, mas tropas egípcias estavam permanentemente estacionadas em lugares-chave por todo o país, como em Betsã, ao sul do mar da Galiléia, e no porto de Jaffa (hoje parte da cidade de Tel Aviv)”.

Por um lado, temos a versão da Bíblia:

“Na Bíblia, não existe o relato de nenhum egípcio fora das fronteiras de seu país, e nenhum é mencionado nas batalhas dentro de Canaã. Mesmo assim, textos contemporâneos e achados arqueológicos indicam que eles administravam e zelavam, de forma cuidadosa, pelos assuntos do país”.
De fato, nos textos bíblicos da Conquista, existe uma total ausência de referência aos egípcios que, caso houvesse ocorrido qualquer invasão israelita, teriam se manifestado e dizimado os israelitas prontamente. Essa falta de alusão equivale a narrar sobre aspectos políticos da Índia na época de Gandhi e se silenciar a respeito da hegemonia inglesa do país.

Finkelstein continua, afirmando que:

“No século XIII a.C., o controle do Egito sobre Canaã era mais forte do que nunca. A qualquer demonstração de agitação política, o exército egípcio cruzaria o deserto do Sinai ao longo da costa do Mediterrâneo e marcharia contra cidades rebeladas ou povos incômodos. [...] Depois de cruzar o deserto, o exército egípcio poderia derrotar facilmente qualquer força rebelde e impor seu domínio sobre a população local”.

Outro agravante, de acordo com Finkelstein, se refere a índole militar do faraó Ramsés II:

“O faraó Ramsés II, que governou durante a maior parte do século XIII a.C., não teria, com certeza, afrouxado seu domínio militar sobre Canaã; ele foi um rei poderoso, talvez o mais forte de todos os faraós, além de ser profundamente interessado em política externa”.

De fato, Ramsés II foi o faraó mais poderoso de todos os tempos. Em sua vida, dedicou-se a guerrear povos invasores, dos quais se destacaram os povos hititas (Heteus). Essa guerra contra os hititas foi abundantemente relatada em diversos documentos da época, que afirmam que os hititas não deixaram de ter uma resposta egípcia aos seus atos. De forma nenhuma, Ramsés II teria deixado a Conquista de Canaã pelos israelitas acontecer, tal como não deixou sem os hititas invadirem seus domínios sem realizar uma cruzada bélica contra esse povo.

4) Cidades fracas

De acordo com Finkelstein, outra evidência que desmente os relatos bíblicos da Conquista de Canaã pelos israelitas se refere a estrutura e poder das cidades que foram supostamente invadidas:


“Os príncipes das cidades de Canaã (descritos no livro de Josué como poderosos inimigos) eram, na verdade, pateticamente fracos. Escavações mostraram que as cidades de Canaã, nesse período, não eram cidades regulares, do tipo que conhecemos na história posterior. Eram fortalezas administrativas para uma elite, abrigavam o rei, sua família e seu pequeno círculo de burocratas, com os camponeses vivendo espalhados pelas terras imediatamente vizinhas, em pequenas aldeias. A típica cidade tinha apenas um palácio, um conjunto de edificações em torno de um templo e outros poucos prédios públicos, provavelmente residências para altos funcionários, hospedarias e outros edifícios administrativos”.

Só para se ter uma idéia de tão pequenas e quão fracas era a maior parte das cidades cananéias, Finkelstein apresentam textos da época em que reis cananeus pedem para seu susserano egípcio a quantia de apenas “Cinqüenta homens” para proteger a terra de invasões realizadas por outros povos cananeus:

“Uma demonstração da pequena escala dessa sociedade é o pedido enviado pelo rei de Jerusalém ao faraó, em uma das cartas Amarna, solicitando cinqüenta homens ‘para proteger as terras’. A minúscula escala das forças armadas naquele período é confirmada por outra carta, enviada pelo rei de Megiddo, que pede ao faraó para mandar cem soldados afim de proteger a cidade de um ataque de seu agressivo vizinho, o rei de Shechem”.

De fato, se cidades como Jerusalém e Megiddo fossem realmente tão poderosas quanto a Bíblia quer que tivessem sido nesse período, teriam precisado de um número bem maior de soldados do que cinqüenta e cem homens. O ato de enviar uma carta pedindo auxilio ao susserano equivale a um ato de desespero e de extrema necessidade de ajuda. O interessante é que, no caso dessas cidades cananéias, esse desespero poderia ser sanado com o envio por parte dos egípcios de apenas menos de uma centena de homens.
5) A muralha invisível

A chamada “arqueologia da conquista”, da primeira metade do século XX, em que arqueólogos cristãos tentaram defender a versão de Josué mediante as escavações de Albright em Tell Beit Mirsim/Debir (1926-1932), dos britânicos em Tell ed-Duweir/Lakish (1930ss) e do israelense Yigael Yadin em Tell el-Waqqas/Hasor (1956) entrou em crise exatamente após serem realizadas novas pesquisas em Jericó, Ai, Gabaon, concluindo que muitas dessas cidades nem sequer existiam no século XIII A.C., fazendo cair o consenso sobre a conquista de Canaã.

No caso de Jericó e outras cidades, as descobertas arqueológicas comprovaram que as mesmas não possuíam muralhas no período alegado pela Bíblia.
De acordo com Finkelstein:

“Não existiam muros em torno das cidades. As formidáveis cidades canaanitas descritas nas narrativas de conquista não eram protegidas por fortificações!”

E continua:

“Jericó estava entre as [cidades] mais importantes. Como já observamos, as cidades de Canaã não eram fortificadas, e não existiam muralhas que pudessem desmoronar. No caso de Jericó, não havia traços de nenhum povoamento no século XIII a.C., e o antigo povoado, da Idade do Bronze anterior, datando do século XIV a.C., era pequeno e modesto, quase insignificante, e não fortificado. Também não havia nenhum sinal de destruição. Assim, famosa cena das forças israelitas marchando ao redor da cidade murada com a Arca da Aliança, provocando o desmoronamento das poderosas muralhas pelo clangor estarrecedor de suas trombetas de guerra, era, para simplificar, uma miragem romântica” .

A compreensão atual dos textos bíblicos que apresentam a estória da queda de Jericó pelas trombetas dos israelitas e pela intervenção divina, a luz das descobertas arqueológicas, nos revela que tais relatos devem ser lidos e interpretados como lendas folclóricas judaicas criadas no mesmo objetivo que as lendas romanas contidas em Ab Urbe Condita, de Tito Lívio e na Eneida de Virgílio: glorificação nacional.
 
A descoberta da inexistência histórica das muralhas de Jericó é até mais interessante do que as demais porque esta é uma das melhores evidências histórica que depõe diretamente contra a realização de um de milagre divino.

A constatação da ausência de muralhas nas cidades cananéias referidas na Bíblia como muradas é, de acordo com Fox, totalizante, pois “Em todos os sítios, as cidades e as muralhas que Josué teria destruído trazem negativas peremptórias”. .
 

E continua:

“Na década de 1930, um novo exame de sítio de Jericó deu a impressão de sugerir ‘vestígios claros de um imenso incêndio’, o colapso do circulo interior das muralhas e a destruição da cidade em torno de 1400 a.C. Outros logo transferiram a data para 1200 a.C., mas era um excesso de confiança. Inspeções posteriores fizeram a data recuar mil anos, a um ponto (2350 a.C.) fora de alcance de Josué. A parte mais alta do monte de Jericó [...] não deixou nenhum indício de uma grande muralha ou de uma cidade que, de qualquer maneira, precisaria ter sobrevivido entre as ruínas dos níveis inferiores da encosta ou do sopé do sítio”.

Robin Lane Fox conclui sua revisão das descobertas arqueológicas com a seguinte declaração:

“Pode ter havido uma aldeia de tamanho razoável em Jericó em torno de 1320 a.C., mas não havia nada que pudesse lembrar uma cidade ou muros intransponíveis. Depois de 1300 a.C., não houve qualquer ocupação humana no local: na data em geral atribuída ao Êxodo e à Conquista (c. 1250-1230 a.C.), os israelitas não teriam sequer a necessidade de tocar uma trombeta para tomar de assalto toda a área”.

Finkelstein explica porque as cidades cananéias daquela época não possuíam muralhas:

“Com o Egito mantendo firme controle da segurança de toda a província, não havia necessidade de sólidas muralhas defensivas. Existia também uma razão econômica para a ausência de fortificações na maioria das cidades de Canaã. Com a imposição de pesados tributos pagos ao faraó pelos príncipes dessas cidades, os pequenos governantes locais não deviam ter os meios (ou autoridade) para se engajar em grandes obras públicas”.


De fato, ao contrário do que a Bíblia relata, as cidades de Canaã da época da suposta “Conquista” não eram, definitivamente muradas, e muitas nem sequer habitadas. O anacronismo com o qual os autores dos textos sagrados escreveram essas estórias nos fazem pensar no quanto a história pode ser prejudicada por uma ficção que se pretende ter sido verídica por seus defensores, e mais ainda o quanto a Civilização Ocidental vem sendo influenciada, tanto cultural, política, teológica e socialmente, por estórias destituídas de valor histórico, como essas.

6) Presença egípcia em Canaã e a continuidade dos povos cananeus

Outro fato que vem a deitar os relatos bíblicos por terra é o fato de que havia uma contínua interação entre o Egito e as cidades de Canaã mesmo após essas cidades terem sido totalmente destruídas por Josué de acordo com o texto bíblico.

Ou seja, cidades que supostamente foram destruídas no século XIII a.C., simplesmente continuaram a existir sem sequer um arranhão pelos séculos consecutivos. É como se existissem dois mundos paralelos: um em que essas cidades foram destruídas (o mundo da Bíblia) e outra em que essas cidades continuaram suas atividades com se nada tivesse acontecido.

“A arqueologia descobriu evidências dramáticas da extensão da própria presença egípcia em Canaã. Uma fortaleza egípcia foi escavada no sítio de Betseã, ao sul do mar da Galiléia, por volta do ano de 1920; suas várias estruturas e pátios continham estátuas e monumentos com inscrições em hieróglifos, da época dos faraós Sethi (ou Seti) I (1294-1279 a.C.), Ramsés II (1279-1213 a.C.) e Ramsés III (1184-1153 a.C.). A antiga cidade de Megiddo, em Canaã, revelou indício de forte influência egípcia até a época do faraó Ramsés VI, que governou no final do século XII a.C. Isso foi muito depois da suposta conquista de Canaã pelos israelitas”.
 
Se as cidades cananéias foram realmente conquistadas e destruídas pelos israelitas como falam as narrativas bíblicas, por que essas mesmas cidades continuaram no mesmo lugar como se nada tivesse ocorrido? Por que seu rei continuou a governar normalmente como se não houvesse sido morto em batalha contra os israelitas? Por que as lavouras, os pastos e os rebanhos continuaram a ser administrados por seus donos se os israelitas conquistaram e destruíram tudo? Por que a religião local continuou a ser praticada se os israelitas a substituíram por seu egoísta monoteísmo? Por que essas mesmas cidades continuaram a se comunicar com os faraós egípcios até dezenas e centenas de anos depois da suposta “Conquista” sem relatar nada do ocorrido e como se nada tivesse acontecido?

São coisas como essas que desmentem diretamente os relatos bíblicos.

7) A arqueologia das “cidade conquistadas” e a discrepância bíblica

A arqueologia vem derrubando, uma a uma, as várias narrativas bíblicas que discorrem sobre supostas invasões e conquistas que os israelitas realizaram supostamente a comando de Josué. Tais cidades são citadas no livro de Josué como ícones do triunfo de Israel, mas a arqueologia vem minando toda essa suposta glória.

De acordo com o historiador de Oxford, Robin Lane Fox:

“[Vários] problemas recorrem em vários sítios da Palestina mencionados nos livros de Josué e dos Juízes: ou não exibem sinais de ocupação urbana protegida por muralhas na data que se prefere para a chegada de Josué ou então não exibem sinais de uma onda única de destruição conjunta”.


O que acontece é que os supostos acontecimentos bíblicos alegados em relação às várias cidades citadas na narrativa da Conquista simplesmente entram em contradição com os resultados das pesquisas arqueológicas.
A CIDADE DE AI


De acordo com a Bíblia, Ai (ou Hai) foi uma das cidades que foram “completamente destruídas” pelos Israelitas. De acordo com Josué 8.27-28, de Ai os israelitas deixaram apenas um “montão de ruínas”. Essas ruínas, de fato, deveriam permanecer, como muitas outra ruínas, até os dias atuais para que os arqueólogos confirmassem o texto bíblico. No entanto, a arqueologia, mais uma vez, oferece um veredicto negativo em relação as narrativas bíblicas.

De acordo com Finkelstein:

“Pequena discrepância entre a arqueologia e a Bíblia foi encontrada no sítio da antiga Hai (ou Ai), onde Josué armou sua inteligente emboscada, de acordo com a Bíblia. [...] Entre 1933 e 1935, a arqueóloga judaico-palestina Judith Marquet-Krause, educada na França, realizou uma escavação em larga escala em et-Tell (sitio de Ai) e encontrou muitos remanescentes de uma imensa cidade da antiga Idade do Bronze, datada de mais de um milênio antes do colapso de Canaã, na Idade do Bronze posterior. Nenhum pedaço de cerâmica ou qualquer outra indicação de um povoamento da Idade do Bronze posterior foi encontrado. Escavações retomadas mais ou menos no ano de 1960 produziram o mesmo quadro. Como Jericó, lá não havia nenhum povoamento na época de sua suposta conquista pelos filhos de Israel”.

O historiador de Oxford, Robin Lane Fox, confirma esse fato, através da seguinte afirmação:

“Em Ai, uma primeira escavação que durou até 1935 foi reescavada até 1972, mas em nenhum caso se encontrou nada que contribuísse para o crédito à versão do livro de Josué. Os escavadores encontraram uma primeira cidade destruída por volta de 2350 a.C. Depois, não havia mais sinal de ocupação humana da área, nada que pudesse frustrar os invasores israelitas, quanto mais obrigá-los a uma segunda tentativa e por fim reduzir a cidade a um monte de pedras e sangue. Em qualquer das datas que se possa atribuir a Josué, simplesmente não existia nada em Ai. Durante o século XI a.C., alguns camponeses começaram a construir uma aldeia no local, mas seus esforços foram muito tardios e esparsos para justificar os relatos da Bíblia. As tentativas de negar que o sítio escavado (ex-tell) fosse de fato o sítio de Ai não tiveram qualquer êxito”.

Donald Redford, arqueólogo da Universidade da Pensilvânia, afirma que

“As modernas técnicas arqueológicas permitem identificar os mais ínfimos vestígios deixados pela passagem de simples pastores” .

No entanto, nada foi encontrado em Ai do período de 1400 a 1200 a.C. – nada que viesse a dar crédito às narrativas bíblicas.

O “grande” arqueólogo biblicista e fundamentalista, Albright, que já tinha conhecimento dessas discrepâncias, mas ocultava isso, dando uma “desculpa esfarrapada”, afirmando que os textos bíblicos se corromperam, mas que na verdade, se referiam a outras cidades:

“Olhando para Hai, Albright sugeriu que a história da sua conquista se referia originalmente a Betel, em sua vizinhança, pois as duas cidades eram estreitamente associadas, tanto geograficamente como tradicionalmente”.

No entanto, Albright também se equivocou com essa explicação, sendo que a destruição de Betel se deu não por causa dos israelitas, mais por causa dos “Povos do Mar”, muitos anos depois.

A “SAGA DOS GABAONITAS”

No que se refere a suposta “saga dos gabaonitas” apresentada na Bíblia, Finkelstein apresenta os seguintes fatos:

“E a saga dos gabaonitas, com seu pedido de proteção e clemência? Escavações no cômoro da vila de el-Jib, ao norte de Jerusalém, que um consenso erudito identificou como o sítio da bíblica Gabaon, revelaram remanescentes da Idade do Bronze média e da Idade do Ferro, mas nenhum da Idade do Bronze posterior. E pesquisas arqueológicas nos sítios de outras três cidades dos gabaonitas, Cafira, Berot, e Cariat-Iarim, mostraram o mesmo quadro: em nenhum dos sítios existiam remanescentes da Idade do Bronze posterior. O mesmo vale para outras cidades citadas na narrativa da conquista e na lista resumida dos reis de Canaã (Josué 12). Entre elas, encontramos Arad, no Neguev, e Hesebon, na Transjordânia, mencionada no último capítulo”.

AS CIDADES DE LAQUIS E MEGIDO

A Bíblia afirma que Lachish (Laquis) foi tomada em dois dias pelos israelitas e que todos os habitantes da cidade foram mortos a fio da espada (Josué 10.32). No entanto, as escavações demonstraram que a queda de Laquis se deu muito tempo depois da suposta Conquista por Josué, conforme Finkelstein explica:

“Escavações em Lachish encontraram nos destroços um fragmento de metal – provavelmente um encaixe do principal portão da cidade – que leva o nome de Ramsés III. O achado nos diz que Lachish não deve ter sido destruída antes do reinado desse monarca, que governou entre 1184 e 1153 a.C. Por fim, a base de metal de uma estátua com o nome do faraó Ramsés VI (1143-1136 a.C.), achada nas ruínas de Megiddo, indica que o grande centro do vale de Jezrael, em Canaã, foi aniquilado, provavelmente na segunda metade do século XII (ou seja, cem anos depois da data bíblica da ‘Conquista’).

De fato, se essas cidades tivessem sido destruídas na época em que a Bíblia alega ter sido, jamais se teria encontrado objetos e estátuas que cultuavam os imperadores faraós Ramsés III e Ramsés VI, que datam aproximadamente de um século depois, mas sim de Ramsés II ou de Merneptah. O achado da estátua dos então imperadores egípcios de Canaã, prova que os habitantes dessas cidades não foram “dizimados” como a narrativa bíblica afirma, e que a destruição da cidade se deu apenas centenas de anos depois da suposta Conquista de Canaã perpetrada pelos israelitas.

AS CIDADES DE HAZOR E OUTRAS CIDADES

O mesmo, de acordo com as recentes pesquisas e com Finkelstein, pode-se dizer em relação as seguintes cidades:

“Relatos [bíblicos] informam que os reis de cada uma dessas quatro cidades – Hazor, Afec, Lachish e Megiddo – foram derrotados pelos israelitas sob a liderança de Josué. Mas a evidência arqueológica mostra que a destruição daquelas cidades ocorreu durante espaço de tempo de mais de um século. As causas possíveis incluem invasão, colapso social e lutas civis. Nenhuma força militar isolada provocou tal destruição, e com certeza não o fez em uma única campanha militar”.

O interessante é que a Bíblia afirma claramente que Hazor foi “destruída a fogo”, e que seus habitantes foram “destruídos totalmente” (Josué 11.11). No entanto, a cerâmica encontrada nas ruínas dessa cidade foram datas inequivocavelmente por especialistas em Grécia micênica e por arqueólogos do Oriente Próximo como pertencentes aos anos posteriores ao ano de 1190 a.C., ou seja, vários anos após a conquista de Canaã pelos israelitas. E a ruína dessa cidade, de forma nenhuma, aconteceu “de uma só vez”.

A CIDADE DE GIBEÃO


Sobre a cidade de Gibeão, que o livro de Josué afirma ter sido uma “grande cidade como uma das cidades reais, e ainda maior do que Ai”, a arqueologia foi bastante clara. De acordo com Lane Fox, um dos próprios escavadores afirmou enfaticamente que:

“Não pode haver dúvidas com base nos melhores indícios disponíveis de que não havia ali [Gibeão] qualquer cidade de alguma importância na época de Josué”.

Robin Lane Fox, totalmente embasado nas descobertas mais recentes da arqueologia, afirma definitivamente que:

“Em todos os sítios [estudados pelos arqueólogos], as cidades e as muralhas que Josué teria destruído trazem negativas peremptórias”.

Essas “negativas peremptórias” da arqueologia são gritantes o suficiente para que possamos compreender que essas narrativas bíblicas não são históricas, mas folclóricas. Não se referem a fatos históricos, mas a episódios criados pela mente dos israelitas para darem uma explicação sobre a origem de seu povo e para inspirar as gerações futuras no ideal nacionalista e religioso de Israel.

Finkelstein, para concluir, afirma que:
“[Desse modo] o que na verdade era uma série caótica de insurreições, causada por muitos fatores diferentes, e também por inúmeros grupos distintos, tornou-se, muitos séculos depois, uma saga brilhantemente elaborada a respeito de uma conquista territorial sob as bênçãos e o comando direto de Deus. a produção literária dessa saga realizou-se com propósitos muito diferentes da comemoração de lendas locais; foi passo importante para a criação da identidade pan-israelita”.


Esperamos que em um futuro bem breve toda a humanidade esteja sarada desta doença chamada “irrerância bíblica”.


fontes

FINKELSTEIN, Israel; SIBERMAN, Neil. A Bíblia Não Tinha Razão. São Paulo: A Girafa Editora, 2003.

FINKELSTEIN, Israel; SIBERMAN, Neil. A Bíblia e seu tempo. Documentário em DVD da editora da História Viva.

FOX, Robin Lane. Bíblia: verdade e ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.